



José Luiz Fiorin (FFLCH-USP)
A construção das identidades nacionais
Terça-Feira, 01/07 às 14h30
Auditório - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)
Mediação: Jean Cristtus Portela (UNESP)
Jacques Fontanille (UniLim)
Propagande, communication, incitation : les modes de présence de la manipulation collective

José Luiz Fiorin (FFLCH-USP)
A construção das identidades nacionais
Há nações que se autodescrevem pelo princípio da triagem e outras, pelo da mistura. Nas últimas eleições parlamentares francesas, a extrema direita fez uma publicidade, em que apresenta a França como uma nação cuja identidade é regida pela triagem. O Brasil sempre, por outro lado, se viu como uma nação cuja identidade está assentada na mistura. Louva-se a tendência brasileira à assimilação do que é significativo e importante das outras culturas. O Brasil celebra a mistura da contribuição de brancos, negros e índios na formação da nacionalidade, exaltando o enriquecimento cultural e a ausência de fronteiras de nossa cultura. De nosso ponto de vista, o misturado é completo; o puro é incompleto, é pobre. Há então todo um culto à mulata, representante por excelência da raça brasileira; ao sincretismo religioso, sinal de tolerância; ao convívio harmônico de culturas que se digladiam em outras partes do mundo, como a árabe e a judaica, e assim por diante. Este trabalho pretende mostrar que essa autodescrição não é totalmente verdadeira, pois, na cultura brasileira, opera, de maneira muito forte, o princípio da triagem. Entretanto,euforizou-se de tal modo a mistura que se passou a considerar inexistentes as camadas reais da semiose onde opera o princípio da exclusão: por exemplo, nas relações raciais, de gênero, etc. A identidade autodescrita do brasileiro é sempre a que é criada pelo princípio da participação, da mistura. Daí se descreve o brasileiro como alguém aberto, tolerante, simpático, sempre pronto a dar um “jeitinho”. Ocultam-se o preconceito, a violência que perpassam as relações cotidianas, etc. Enfim, esconde-se o que opera sob o princípio da triagem.
Jacques Fontanille (UniLim)
Propagande, communication, incitation : les modes de présence de la manipulation collective
Faire faire, faire croire, faire douter, faire aimer, faire haïr, c’est le domaine sémiotique de la manipulation, le « faire » d’un actant de second degré, qui agit sur un actant de premier degré. Pour la sémiotique narrative, la question principale est celle des modalités de la compétence d’autrui sur lesquelles on intervient pour obtenir une action (vouloir, devoir, savoir, pouvoir, ou croire ?) ainsi que sur les passions qu’elles induisent. Une réflexion sur les modes d’existence et de présence des manipulations, permet aujourd’hui d’accéder à une dimension complémentaire, celle de leur sous-bassement idéologique et anthropologique, et des actants collectifs impliqués. Aux modes de présence répondent les modes de conscience, dans une interaction entre l’acte manipulatoire et son appropriation. L’agir sur autrui est en général considéré au moins comme importune, au nom de la liberté. Roland Barthes a même rêvé d’une manière de vivre ensemble (qu’il appelle « idiorrythmie ») où les individus ne pourraient pas se sentir manipulés. Au-delà de cette utopie douce, la question reste entière : la manipulation doit-elle être ostensible ou discrète, agressive ou insidieuse, sensible ou insensible ? Ces questions en suscitent d’autres : à quel régime du vivre ensemble correspond chacun des modes de présence de la manipulation ? à quelle situation collective chacun de ces régimes est-il associé ? On peut penser à la propagande des régimes totalitaires, et à la communication persuasive des régimes libéraux. Mais ces associations stéréotypées masquent la diversité des situations observables à toutes les époques et dans toutes les contrées : chaque mode de présence de la manipulation est associé non pas exclusivement à un régime politique, mais à une forme de vie et un régime sémiotique ancrés dans un mode d’existence anthropologique.

Clotilde Perez (ECA-USP)
Presença do consumo
Presença do consumo; consumo da presença
Quarta-Feira, 02/07 às 11h
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Bruno Pompeu (ECA-USP)
Massimo Leone (UniTo)
Consumo da presença

Clotilde Perez (ECA-USP)
Presença do consumo
Na primeira parte da apresentação, Clotilde Pérez propõe uma reflexão sobre a semiótica do consumo no contexto da sociedade midiatizada e estruturada pela inteligência artificial generativa. A análise será centrada no contexto sócio-semiótico brasileiro e buscará compreender como as tecnologias emergentes estão transformando os desejos, os signos de valor e crença e os regimes de significação do consumo, delineando uma nova ecologia semiótica na qual sujeitos, mercadorias e algoritmos convivem e se co-configuram em múltiplas satisfações alcançáveis mediante pagamento. A forma contemporânea de solucionar nossa falta essencial é equalizada pelo excesso no consumo, acessível em poucos clicks, em simulacros de possibilidades ofertadas em cardápios amplos de mercadorias que parecem ser perfeitas (uma vez que são respostas algorítmicas aos nossos comportamentos rastreáveis nas ambiências digitais). A centralidade do olhar na ambiência digital é ainda mais flagrante do que já fora no passado. Além da exploração espetacular, do fetichismo que aguça a pulsão escópica, do voyeurismo e do exibicionismo próprios das redes, há a vigilância contínua. Nossa sociedade não é mais a do espetáculo, mas da vigilância, afirma Foucault (1975, p. 218) “Não estamos mais nem nas arquibancadas nem no palco, mas no interior da própria panóptica”. O espetáculo e a vigilância (ver e ser visto) já não são contraditórios, ambos conjugam seus efeitos produzindo permanente observação, um deslocamento potente do privado ao público, sem precedentes. Nossas sociedades conhecem assim uma hipertrofia do olhar (Le Bretom, 2106), só que reforçada pela hiperexposição. O olhar aproxima, se faz tátil, háptico, penetra na esfera dos corpos e das coisas, numa espécie de apalpação sem limites. O olhar é concupiscente, é iniciação ao desandar do desejo. E como desejamos o desejo do outro (Girard, 2008, 2011), a incitação do olhar não está apenas nas campanhas promocionais das marcas, mas no voyeurismo compulsivo das redes de amigos e seguidos/res e influenciadores que nos tomam com narrativas audiovisuais sedutoras, na exploração de comportamentos que suscitam o prazer nos colocando diante da inequívoca possibilidade de emancipação e vivência do sonho por meio do consumo (Lipovetsky, 2022; Morozov, 2019). É a partir do olhar e da atração que exercem – resultando em comportamentos de permanência (e adesão) - que as lógicas algorítmicas se nutrem para transformar consumidores midiáticos vorazes em compradores contumazes de “tudo”.
Massimo Leone (UniTo)
Consumo da presença
Na segunda parte da apresentação, Massimo Leone abordará o conceito de “consumo da presença” como uma categoria ambígua da contemporaneidade. A introdução massiva do digital e, mais recentemente, da inteligência artificial generativa provocou uma dupla transformação. Por um lado, assiste-se ao desgaste da presença: não apenas os textos, mas a própria textualidade; não apenas os objetos, mas também as relações e os processos estão sendo substituídos por simulacros. Por outro lado, essa substituição alimenta uma nova sede de presença real, tangível, encarnada. A pandemia acelerou essa ambivalência, abrindo caminho para uma possível sociedade da oralidade renovada, marcada por formas comunitárias oraculares. Nesse cenário, a antropologia de Ernesto De Martino e sua noção de “crise da presença” oferecem ferramentas fundamentais para interpretar o presente. O estudo do caso da voz — cada vez mais replicada, simulada e gerada artificialmente — revela o surgimento de um novo “ceticismo acústico”, que se soma ao visual, mas também um desejo crescente de “presença vocal”. É nesse contexto que a figura do professor pode reaparecer, não tanto como transmissor de conteúdo, mas como corpo e voz experientes: presença confiável em uma era de desencantamento sensorial.

Diana Luz Pessoa de Barros (USP/UPM)
Negacionismo e semiótica: veridicção, ciência e política
Quarta-Feira, 02/07 às 16h30
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Ivã Carlos Lopes (FFLCH-USP)
Denis Bertrand (Paris 8)
Le négationnisme climatique et la mesure du sensible
Enjeux politiques de la figurativité

Diana Luz Pessoa de Barros (USP/UPM)
Negacionismo e semiótica: veridicção, ciência e política
Nesta exposição sobre os discursos negacionistas da história e da ciência e, especialmente, sobre os relativos às questões climáticas (os que negam o caráter antidemocrático e opressor da ditadura militar no Brasil e afirmam seu caráter brando, patriótico e democrático; os que não aceitam o nazismo e o fascismo como ideologias de extrema-direita; os que recusam a responsabilidade do homem nas mudanças climáticas; os que negam o Holocausto; os que minimizam a desumanidade da escravidão; e muitos outros), procuraremos mostrar como os estudos semióticos do discurso, ao desmontar esses discursos e expor do que eles tratam e como se constroem, podem contribuir para o tratamento desse problema tão agudo atualmente. Para tanto, examinaremos esses discursos no quadro dos estudos da veridicção; no âmbito dos estudos semânticos do discurso, sobretudo, no negacionismo climático, por exemplo, com os temas da natureza como manifestação e dádiva divina, fonte de alimentação e sobrevivência, paisagem e jardim, recurso financeiro e modo de enriquecimento; e, no espaço da política. Dessa forma, poderemos apontar as estratégias linguístico-discursivas de produção dos sentidos dos discursos negacionistas e explicar como eles, além de dialogarem com os discursos da ciência e da história e de contribuírem para seu descrédito (por exemplo, levam as pessoas a não se vacinarem e a não se medicarem, com riscos para a saúde pública) e prejudicarem as pesquisas (com os cortes nos auxílios às pesquisas e às universidades e o desmonte de agências de financiamento), levam a um retrocesso na relação com a religião e os costumes e retomam e assumem posições políticas de extrema-direita, que pareciam já superadas. Nos discursos de negação da ciência e da História, essa negação não é um programa de base e sim um programa de uso, com o qual o negacionista busca outros valores. É mais um meio para atingir outros fins: evitar que a ciência ou a história ameace seu modo de vida, seu conforto financeiro, sua liberdade econômica ou que justifique a intervenção do Estado e dos organismos multilaterais em suas formas de vida e, em última instância, contrapor-se e atacar os que põem em risco esse modo de viver (em geral, a esquerda). Embora negue a ciência, não se trata, no negacionismo, de um discurso sobre ciência, e sim sobre ideologia, política, economia, privilégios, dinheiro, poder.
Denis Bertrand (Paris 8)
Le négationnisme climatique et la mesure du sensible
Enjeux politiques de la figurativité
« Alerte à la désinformation climatique. Les fake news sur le réchauffement climatique ont le vent en poupe », lit-on à la Une du Nouvel Obs, magazine hebdomadaire français, le 9 avril 2025. On s’attachera à la montée du climatoscepticisme, au dénialisme et à la « dérive anti-science » qui croît à proportion de l’imminence des catastrophes. On développera dans un premier temps une approche tensive de ce phénomène en essayant de bâtir une typologie des stratégies argumentatives déployées (sur fond « scientifique », anthropologique ou para-mystique).On interrogera ensuite la dimension sémiotique du sensible, avec ses deux versants – figuratif et pathémique –, qui est au foyer de ces prises de position. On formulera ainsi l’hypothèse d’une nouvelle sémiotique figurative. Alors qu’elle paraissait marginalisée au sein des avancées sémiotiques contemporaines, la figurativité, concept « joncteur » par excellence, resurgit aujourd’hui avec les enjeux sociaux, politiques et scientifiques du réchauffement climatique. Celui-ci concerne, on le sait et on l’éprouve tous, les axiologies figuratives élémentaires – l’eau, l’air, le feu, la terre – et pose le problème de leur déformation extrême (sécheresses, ouragans, mégafeux, montée des océans, etc.). Les repères d’identification perceptive sont perturbés jusqu’aux poétiques qui leur étaient associées. Avec la redéfinition des rapports entre humain et non-humain, avec l’agentivité et la puissance d’agir de la "nature" (cf. Descola, Latour), on interrogera le sens des transformations en cours dans l’espace planétaire, ainsi que leurs dénégations, justifiant l’interrogation sémiotique sur les nouveaux enjeux, politiques et sensibles, de la figurativité.

Irene de Araújo Machado (USP)
Fato histórico como texto de cultura:
a perspectiva da metalinguagem crítica lotmaniana
Quinta-Feira, 03/07 às 11h
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Ekaterina Volkova Américo (UFF)
Julieta Haidar (ENAH)
O campo da semiótica revisado desde as epistemologias críticas de vanguarda: produções visuais e pós-visuais

Irene de Araújo Machado (USP)
Fato histórico como texto de cultura: a perspectiva da metalinguagem crítica lotmaniana
O presente trabalho discorre sobre o conceito de história que, segundo Iúri Lotman está inserido no processo de semiotização da abordagem interpretativa de todo texto cultural que não se realiza sem a intervenção de uma metalinguagem crítica. Trata-se de recuperar os estudos desenvolvidos nos trabalhos sobre os sistemas de signos da escola semiótica Tártu-Moscou, que se constituiu à revelia da cartilha do partido que comandou a URSS no pósguerra, mais precisamente da passagem dos anos 50 para os anos 60 – início da Guerra Fria (1947-1991). Para isso, a abordagem situa o conceito de história como texto e, enquanto tal, suscetível de interpretações, o que levanta a hipótese de que não se interpreta o fato histórico primário, mas simplesmente os textos de cultura em circulação. Quer dizer, tanto para o historiador quanto para o analista, semioticista ou não, nenhum fato histórico encontra-se imune à interpretação uma vez que aquilo que se apresenta como fato histórico chega ao nosso conhecimento sob forma de texto, visto ser codificado de alguma forma. A codificação, contudo, não é suficiente. “Afabeto”, “notações musicais”, “gestos”, “perspectiva”, “sons”, “pontos”, “linhas”, “cores”, “texturas” e outros, são códigos, contudo, para que texto ganhe formalização é preciso que ocorra a construção de discursos: uma carta, uma notícia, um poema, um romance, uma lei, uma prece, uma dança, uma pintura, uma composição musical, um gráfico, um filme, ou seja, o texto precisa ser codificado no mínimo duas vezes. Portanto, um texto de cultura abriga não apenas códigos de uma linguagem, mas também discursos de um determinado gênero. Por conseguinte o texto cumpre a função de conjugar sistemas de signos em interação sem jamais compor uma unidade isolada. Para os semioticistas da cultura, texto é sempre texto no texto. Diante disso, conforme a composição do texto como sistema sígnico, interpretação implica recodificação uma vez que elabora um texto em outra formação discursiva. Com isso, o fato histórico entendido como texto não se encontra imune a estas reconstruções para manifestar diferentes esferas de significação em diferentes discursos. Quer dizer, dependendo do(s) discurso(s) que elabora(m) a abordagem teremos um ponto de vista discursivo. Um fato histórico quando documentado em textos verbais, pictóricos, fotográficos ou audiovisuais são construídos por códigos distintos o que implica diferentes recodificações que alcançam ângulos distintos e levam até a diferentes interpretações. Isto é o que se espera discutir em nossa comunicação.
Julieta Haidar (ENAH)
O campo da semiótica revisado desde as epistemologias críticas de vanguarda: produções visuais e pós-visuais
Os objetivos desta conferência se relacionam com as novas epistemologias críticas de vanguarda que surgiram no final do século XX e estão fortemente presentes no século XXI. Para abordar o campo da semiótica a partir de novos caminhos, é fundamental recorrer a essas epistemologias que proporcionam novas reflexões para analisar os complexos problemas do mundo e da humanidade neste momento. Nessa perspectiva, apresentamos as principais premissas de seis Epistemologias de Vanguarda: 1. Complexidade, 2. Transdisciplinaridade, 3. Decolonialidade, 4. Epistemologia do Sul, 5. Epistemologias Ancestrais e 6. Epistemologia Materialista revisitada. Na exposição, estabelecemos um diálogo entre elas, mas principalmente entre elas e o Campo da Semiótica, para superar os limites da Semiótica Estrutural, Funcional, e situar-nos numa Semiótica Complexa, Transdisciplinar e Digital. que envolve a análise de produções semiótico-discursivas digitais. Desde estas reflexões epistemológicas, dialogamos com o Campo da Semiótica para reconstruir as categorias e alcançar um maior nível heurístico. Nesse sentido, repensamos a relação entre semiose e mundo, situando necessariamente o sujeito, que em muitas tendências não é explícito; reconsideramos as diferentes relações entre signos e realidade, para considerar vários problemas relacionados à produção dos sentidos semiótico-discursivos; abordamos os desafios da produção na Semiótica Digital, na qual emergem os problemas do Cibernantropo, do Ciberespaço, do Cibertempo. Do visual passamos ao pós-visual, ou digital, onde há produção de novas visualidades que impactam os sentidos, a partir de uma dimensão transsensorial; reconstruímos a categoria de sujeito a partir da complexidade, da transdisciplinaridade, da decolonialidade.

Ana Claudia de Oliveira (PUC-SP)
Semiótica engajada: “Entrevidas” no vão livre do MASP
Quinta-Feira, 03/07 às 16h30
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Marc Bogo (UPM)
Isabella Pezzini (La Sapienza)
Convivendo na cidade das diferenças

Ana Claudia de Oliveira (PUC-SP)
Semiótica engajada: “Entrevidas” no vão livre do MASP
O Museu de Arte de São Paulo abriga no nível térreo um espaço público de 74 metros de extensão: o vão livre do MASP, palco de manifestações culturais diversas, encontros da população quer para reinvindicações (greves, atos políticos), quer espetáculos artísticos e, por décadas, a feira de antiguidade aos domingos que, mais recentemente, disputava o espaço com os moradores de rua aí alocados. No final de março de 2025, com a reforma do museu, esse espaço passou a ser gestionado pela própria Instituição. Por ocasião da reinauguração desse espaço projetado por Lina Bo Bardi, a escultora ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino foi convidada a ocupar esse espaço com a sua performance “KA”, da série “Entrevidas”, datada de 1981. Nossa intervenção consistirá em analisar semioticamente a estrutura dinâmica desta performance: dúzias de ovos brancos espalhados aleatoriamente sobre um piso de paralelepípedos escuros, na qual pessoas diversas vestidas de roupas pretas atravessam. Qual forma de mensagem social, política ou existencial rege, atrás da superfície figurativa, essa distribuição? Como a performance insere participativamente o público na trama de “Entrevidas” e faz sentido na atualidade da vida brasileira?
Isabella Pezzini (La Sapienza)
Convivendo na cidade das diferenças
O debate transdisciplinar contemporâneo sobre a cidade está fortemente centrado na questão das diferenças entre pessoas - de etnia, sexo, idade, etcetera - que convergem na metrópole. Confluindo em seus espaços públicos e comuns, bem como em suas infraestruturas, tais sujeitos pedem para serem reconhecidos, valorizados e levados em consideração no âmbito da gestão e do projeto da cidade. Tendo em vista, então, que o conceito de diferença é fundamental na semiótica, ainda a partir de Saussure, irei me perguntar, nesta conferência, se e como, enquanto semioticistas, podemos contribuir construtivamente para esse debate, começando pelo esclarecimento dos termos em jogo. Algumas referências obrigatórias serão a Roland Barthes - desde sua ideia de neutralização até a de idiorritmos - e a Juri Lotman, com sua ideia ampliada de “tradução”.

Amálio Pinheiro (PUC-SP)
Semiótica da cultura, semiótica peirceana: o híperbarroco
Sexta-Feira, 04/07 às 11h
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Evani Viotti (FFLCH - USP)
Abreu Paxe (ISCED)
Sona e o Corpo da Escrita:
Oralidades e Memória nas Tradições Cokwe

Amálio Pinheiro (PUC-SP)
Semiótica da cultura, semiótica peirceana: o híperbarroco
Torna-se necessário, para investigar as nervuras relacionais em proliferação simultânea do hiperbarroco das Américas latino-afro-tupi-mestiças, congregar as noções concretas, experimentais e móveis do signo em Peirce e aquelas, conforme tratadas pela Semiótica da Cultura em Lotman e Tinianov, da imprevisibilidade e traduzibilidade das séries culturais nos ambientes pluralmente desviantes e não-institucionais. Fundantes aqui os entrelaçamentos sintáticos não-lineares e oscilantes entre as linguagens e as matérias- primas (paisagem, oralidades, corpos, frutas, luz/sol etc. Fundem-se dois processos excessivos simultâneos: proliferação de signos e de cruzamentos sintáticos. Neste ponto, surge a necessidade de examinar em pormenor os processos de mediação (o terceiro em Peirce) como habitados por conjuntos icônicos e indiciais que lhes conferem um movimento permanente de tradução em vaivém sem jamais se deterem num significado duradouro fixo, que estagnaria no lugar-comum e na instrumentalização ideológica. Daí importância estética e política da incorporação meticulosa de práticas inventivas como a do ar livre ("plein air") em Mallarmé e a sílaba frutal em Lezama. Urge encontrar modos de conhecimento teórico-analíticos que possam dar conta de situações semióticas em que, pela interação das várias camadas de uma história enviesada (Benjamin), com múltiplos contrastes num mesmo espaço (Bastide, Laplantine), as atividades de mediação e tradução não sucumbam às linearidades de plantão, dada a espessura das formas significantes no cerne dos campos semânticos deslizantes (Haroldo). O que passa a vigorar são relações de signo em grande medida dotadas de ritmos plurais simultâneos e constelares.
Abreu Paxe (ISCED)
Sona e o Corpo da Escrita: Oralidades e Memória nas Tradições Cokwe
Esta proposta investiga a leitura semiótica do ideofonográfico sona, forma de comunicação dos Cokwe em África, destacando conceitos como modernidade, literatura, arte, voz, oralidade e tradição. A prática do mestre Mukwakuta Sona — desenhar provérbios, adivinhas e invocações na areia enquanto fala — revela uma escrita viva, rítmica e efêmera, que entrelaça corpo, voz e memória. O sona é entendido como inscrição não apenas no mundo físico, mas também no intangível (musoni), onde a memória corporal se faz presente. A escrita aqui é corporificada: desenhar, falar e apagar são atos contínuos de registrar e inscrever experiências no corpo, na mente e na paisagem. O sangue, que alimenta o cérebro e a motricidade, sustenta também a memória e a oralidade, convertendo o corpo em livro, documento e biblioteca viva, como defende Hampâté Bâ. Nessa visão, escrita e oralidade não se opõem, mas coexistem em uma rede sinestésica entre corpo, natureza e cultura. Paralelamente, a proposta introduz a noção de um hiperbarroco das Áfricas-mestiças, pensado a partir de Amálio Pinheiro, e sustentado em diálogos com Peirce, Lotman e Tinianov. Esses autores ajudam a entender os entrelaçamentos sintáticos oscilantes entre linguagens e matérias-primas — corpos, frutas, luz, paisagem — e a imprevisibilidade cultural nas periferias. A estética do plein air em Mallarmé e a concepção de sílaba solar em Bunseki Fu-Kiau ilustram a potência política e inventiva dessas práticas, onde linguagem, natureza e corpo se amalgamam em processos dinâmicos de transformação.

Lucia Santaella (PUC-SP)
Um encontro de vozes entre J. L. Borges e C. S. Peirce
Sexta-Feira, 04/07 às 16h30
Auditório Nicolau Sevcenko - Prédio de Geografia e História
Mediação: Roberto Chiachiri (UMESP)
Fernando Andacht (UdelaR)
Um passeio através do mundo convergente
de C. S. Peirce e de J. L. Borges

Lucia Santaella (PUC-SP)
Um encontro de vozes entre J. L. Borges e C. S. Peirce
No congresso da Associação Internacional de Semiótica, realizado em Dresden, em 1999, Fernando Andacht apresentou uma inspiradora palestra sobre Peirce à luz de algumas analogias passíveis de serem detectadas no pensamento filosófico criativo de J. L. Borges. Alguns anos antes disso, de meu lado, já havia chamado atenção para algumas correspondências entre Borges e Peirce especificamente no que diz respeito à categoria da primeiridade peirciana. Mais uns anos se passaram e Andacht foi um dos convidados em um encontro promovido pelo Centro de Estudos Peircianos. Na ocasião, tivemos a oportunidade de nos prometer mutuamente que faríamos uma publicação sobre nossas interpretações das relações entre Borges e Peirce. O tempo passou e as atribulações e compromissos, além da distância entre nós, impediram que realizássemos esse intento. Felizmente, este Congresso da ABES abriu a possibilidade de nosso diálogo e a oportunidade de trazermos algumas ideias que, certamente, os anos não apagaram, mas amadureceram sobre nossa antiga intenção. Frente à visão sapiente e multifacetada apresentada por Andacht, a minha será pontual e modesta. Irei me limitar à reivindicação da radicalidade e contravenção, no contexto do pensamento ocidental, do conceito e suas implicações da categoria da primeiridade peirciana. Essa é, sem dúvida, a categoria mais mal interpretada entre as três categorias de Peirce. Minhas repetidas leituras de Borges, especialmente do dificultoso conceito de eternidade me levaram a perceber a analogia que pode ser estabelecida entre a primeiridade peirciana e a eternidade borgiana. A mútuo iluminação que um conceito produz no outro permite colocar, tanto quanto posso ver, a primeiridade de Peirce em uma dimensão tão merecida quanto esquecida.
Fernando Andacht (UdelaR)
Um passeio através do mundo convergente de C. S. Peirce e de J. L. Borges
O título faz alusão ao texto fundacional da biossemiótica: “Um passeio através do mundo de animais e seres humanos” de Jakob von Uexküll (1934). O termo alemão original não é ‘mundo', mas “Umwelt”, que poderia ser traduzido como ‘entorno’, uma contribuição pioneira ao estudo da ecologia. Justamente, Peirce descreve-se a si mesmo como “um pioneiro ou melhor ainda um sertanejo (backwoodsman)” (CP 5.488) no esclarecimento da semiótica. A reunião de pessoas e animais num único espaço vital de significação deve ter sido inesperado ou inaudito há 90 anos. Algo semelhante pode acontecer na terceira década do século 21 ao se falar de uma convergência entre os signos do lógico norte-americano Peirce e os do escritor argentino Borges. Encontro uma útil explicação em um texto clássico de Santaella (1992), A Assinatura das Coisas. Peirce e a Literatura, onde explica que Peirce “estava longe de ser um literato”. Qual seria então o interesse ou pertinência de desenvolver uma reflexão sobre elementos em comum na obra deles? Retomo aqui uma pesquisa que comecei há mais de 20 anos, com “Semiosis y teleología en algunos relatos de Borges” (Andacht, 1999). Em um corpus borgeano que abrange 40 anos – Historia de la eternidad, La muralla y los libros, Sobre los Clásicos, Dos Libros, El Aleph, Deutsches Requiem, El milagro secreto, La Trama, El Congreso, observo o funcionamento de conceitos peirceanos como o musement, o kalós da estética, e sobretudo o sinequismo. Há artigos fundamentais de Santaella sobre este “princípio regulador da lógica” (CP 6.173), que espero demonstrar que desempenha um papel fundamental na poética e na trama de ensaios e relatos de Borges. É inevitável considerar a imaginação ao falar da literatura, mas também da ciência, conforme Peirce (CP 1.46), na sua ausência, o cientista “pode ficar olhando estupidamente para os fenômenos, mas, eles não serão relacionados entre si de forma racional”. A visão sinequista da pesquisa sustenta que essa tarefa não é exclusiva dos cientistas, mas pode ser realizada por“detectives, historiadores, jornalistas” (Haack, 2003), e eu incluo criadores literários como Borges, que na sua obra refletem e destacam o funcionamento da semiose.